Mesmo que não pare de encontrar criaturas, algumas delas visivelmente interessadas em contar-lhe suas histórias, pensamentos, cantar suas músicas, recitar intermináveis poesias, dar-lhe ordens, na prática, ao longo de suas aventuras, poucos falam com Alice. Quando algum diálogo é bem-sucedido, o que é raro, isso só ocorre após muita insistência dela e muitos cômicos mal-entendidos. Alice não cessa de se surpreender sobre o pendor daquela gente, se é que pode se chamá-los assim, para ofender-se e dar-lhe ordens. De um jeito ou de outro, os diálogos persistem somente enquanto a menina escuta e obedece, mas se interrompem assim que ela opina, solicita uma informação ou favor. Eis uma experiência própria da infância que se perpetua ao longo da vida: a maior parte dos nossos interlocutores não está interessada em escutar e ajudar, o que é um fato triste, mas verdadeiro. São as exceções a esse quadro que fazem as grandes amizades e os verdadeiros amores, que são, como se sabe, poucos.

No final da sua viagem pelo País das Maravilhas, Alice acorda, conta seu estranho sonho para a irmã mais velha, em cujo colo adormeceu, e sai correndo. Assim fazendo, é como se tivesse deixado suas aventuras em seu lugar, de tal forma que a irmã começou também de certa forma a sonhar. A partir daí é como se as personagens do País das Maravilhas irrompessem no cenário campestre em que a menina mais velha repousava, misturando-se com os sons da realidade, exatamente como as histórias fazem com aqueles que as leem e assistem. Carroll é como essa irmã, que sonha maravilhas graças à imaginação das crianças com quem teve o privilégio de privar. Ou mesmo como o Gato de Cheshire [4], que compartilha com Alice a percepção deste mundo que é tão maluco que só mesmo a lógica dos sonhos para dar conta de representá-lo.

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