Vista de fora, focada com a lente infantil, a vida dos adultos parece como a do Coelho Branco, que corre atrás de objetivos ridículos, a mando de uma rainha enlouquecida. “Somos todos loucos aqui”, já dizia o Gato de Cheshire. Nós, que já somos crescidos, parecemos ser mais sérios que as crianças que só sabem brincar, mas entregamo-nos a desígnios muito estranhos que em geral não compreendemos.

Somos tal como o Chapeleiro Maluco, que vivia condenado a um eterno chá da tarde, ou como as Rainhas esbaforidas que percorriam seu mundo de tabuleiro com a mesma pressa fútil do Coelho. São as determinações inconscientes que regram a lógica dos sonhos, influenciam decisivamente nas escolhas da vida, nas múltiplas fobias, nos preconceitos sem sentido, nas dificuldades bobas que criamos com certas coisas, nas compulsões e nos desejos que temos. Os adultos padecem de males e têm preocupações difíceis de entender, e poucos conseguem se explicar satisfatoriamente. Imagine então como é difícil para as crianças, que em geral são levadas na corrente deles sem uma razão coerente. O mundo gira e gira rápido, mas para onde mesmo vamos?

alice divulg 197x300 O que nos maravilha em Alice?Resta aos pequenos a passividade de serem arrastados, eles nem sempre sabem aonde querem ir, nem para fazer o quê, mas poderiam ser consultados, ou ao menos informados. O problema é que as crianças raramente têm claro quais são suas prioridades, resta-lhes obstruir as ordens dos adultos com alguma birra, argumentando ou até refugiando-se em suas brincadeiras e fantasias.

No diálogo de Alice com o mesmo gato, quando ela lhe pergunta que caminho deve tomar para ir embora, o leitor pensaria que para ela basta de andar à deriva, de uma situação absurda e caótica para outra, que seria natural que quisesse voltar para junto de sua gatinha Dinah, que não sorri, porém tampouco fica desaparecendo no ar aos pedaços. Nada disso! Na verdade ela está em busca de novas aventuras, por isso responde que só lhe interessa chegar a algum lugar. As crianças não se angustiam tanto com a experiência de tanto desconhecer e pouco controlar. Essa é sua vida e o único antídoto é a presença de algum adulto a quem elas possam confiar sua proteção, mesmo que seja um trapalhão bem-intencionado, como o Cavalheiro Branco [3]. É uma garantia mínima, para contentar alguém tão pequeno com desafios tão gigantescos. O caráter destemido de Alice reflete a inocente coragem natural das crianças. O tempo passa, vamos tornando-nos cada vez mais medrosos ao preço de subjugarmos nossa curiosidade.

Mas as crianças têm seus próprios problemas: ficam mudando de tamanho, e isso é muito incômodo. Certamente elas crescem, porém isso não acontece de forma linear, elas são acometidas de surpreendentes espichos. Além disso, elas convivem com crianças de idades e ritmos de crescimento diferentes, por vezes sentem-se grandes frente aos outros, em outras situações são pequenas e, no meio de adultos, tudo ocorre nas alturas. Os velhos para elas também constituem um enigma: sendo tão mais velhos, por que não seriam enormes? Ao contrário, são frágeis e não raro, pequenos. Elas têm razão, viver é mudar de tamanho o tempo todo, por isso é uma das poucas coisas de que Alice se queixa nas suas andanças oníricas.

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